segunda-feira, 30 de maio de 2016

S A PA T T O

   Eu me lembro como se fosse amanhã. Antes das viagens, tudo era uma grande linha solitária. Naquele dia, que para mim era formidável e para um outro alguém poderia não ser, encontrei uma pedra chorando na rua. Compadecido, acolhi a pobrezinha e levei para casa. Acalmei-a e ofereci um pouco de musgo. 
   Conversamos durante horas e uma pequena flor brotou da fina camada de musgo que eu havia colocado sobre sua cabeça rochosa. Ela me contou que isso era um sinal de amor e que era verdadeiro. Nisto, decidimos nos casar no dia seguinte. Então a pedra montou morada no meu sapato. 
   As caminhadas nunca mais foram as mesmas. Doía, mas eu a carregava para onde fosse. Doía, mas estávamos juntos e ela dizia que era isso o que importava. A sola do meu pé implorava por um descanso, invejando meu pé esquerdo. Tempo depois, eu já não tinha mais vontade de andar, mas estávamos juntos, e eu comecei acreditar que era isso o que importava.
   Depois de muito caminhar com um dos pés no topo da montanha, decidi contar a pedra que não poderíamos mais ficar juntos. Eu não aguentava o peso deste sacrifício. A pedra, relutante, disse que eu não entendia nada sobre a vida e que amor significava doar-se. Ela me disse que não pode se mexer sozinha e eu era sua única luz. Eu já não conseguia mais me mexer. Chorei,, mas a pedra não. 
   Desde aquele dia, nós não nos vimos. A parte engraçada disto tudo é que conheci meu sapato. O coitado também estava se sacrificando pela nossa relação. E eu nem pude perceber! Eu ainda não era um viajante. 
   Hoje, desenvolvi uma sensibilidade aguçada para notar as coisas. Principalmente as que estão abaixo de mim... e me sustentam! 

Nenhum comentário:

Postar um comentário